Se existe uma questão fechada na filosofia, é que a definição de filosofia não é uma questão fechada. Desde Pitágoras, o inventor do termo filosofia, é que se vem tentando definir essa ciência e, até hoje, não se tem consenso.
De todas as definições de filosofia que vi até o momento, a que mais me chamou atenção foi a de um filósofo contemporâneo, professor de uma Universidade em Jerusalém, chamado Elie Cohen-Gewerc. O que torna a definição de filosofia desse pensador interessante é a circunstância que o leva a pensar em tal conceito. Vejamos:
Um dia, observando minha mãe limpar o chão com grande esforço, uma experiência bastante comum, minha sensibilidade – tal qual uma flor que desabrocha – me leva brutalmente a uma contradição interna insustentável, até a ruptura, ou seja, até o problema. Meu sentimento de filho me levou a uma compaixão profunda pela minha mãe, que me impulsionava a tirar a vassoura das mãos dela e continuar, eu mesmo, aquela tarefa como eu fazia antes quando corria ao seu encontro para aliviá-la do peso das sacolas da feira. Mas a sacola de frutas e verduras não é como a vassoura e o balde!
[...]
Carregar virilmente uma sacola não contradizia minha visão de macho, mas a vassoura exigia rever totalmente meu conceito de ser homem.
Como a professora do estágio dizia na aula de quarta, a filosofia nasce do susto, do impacto e diante da contradição entre aquilo que se vê, que o senso comum diz que é o certo; e aquilo que se sente, como não sendo o correto.
Sabemos que o processo de quebra de paradigmas é lento e gradual, assim nesse dia meu machismo triunfou, mas a ruptura ficou. O questionamento ficou presente e me obrigou a repensar totalmente meu ser homem, mas além dos atributos masculinhos.
No caso específico desse filósofo a quebra do paradigma só foi possível depois de muita reflexão e leitura, ele começou a dedicar-se a textos filosóficos sobre a dignidade humana.
Li alguns capítulos árduos do livro Ética de Espinosa [...]. Li também Sartre, Camus e o trabalho de Simone de Beauvoir sobre a condição da mulher ao longo das gerações.
Todas essas leituras o levaram a outro problema: meu problema era então saber se minha visão viril era uma “paixão” escravizante ou um conhecimento, base essencial de minha liberdade individual.
Ou seja, ele estava simplesmente exercendo seu direito à liberdade ao não ajudar sua mãe com a limpeza da casa, ou estava sendo escravo do conceito de homem internalizado em sua pessoa pelo senso comum? Essa é a grande questão: diante das nossas atitudes cotidianas, somos livres ou escravos?
Lembro-me ainda como aquele esforço de essência filosofia ia inundando de luz meu entendimento e como se fez clara a solução do problema: frente ao chamado de minha sensibilidade a questão não era se e quando eu devia parecer um homem-macho, mas sim em que medida eu poderia realizar meu ser humano.
O interessante é notar como o exercício da filosofia (entenda-se aqui, pensar e pesquisar) é libertador. Foi a filosofia que o tirou de sua condição de escravo do senso comum.
Entenda que esse exercício transcendeu o problema específico. A perspectiva filosófica não só me abriu caminhos adjacentes de compreensão, mas também me encheu de estímulo para ousar sair do condicionamento frágil do óbvio e das idéias inculcadas.
Bem, o fato do personagem principal dessa história ser hoje um renomado filósofo, já dá uma pista de como tudo isso chegou ao fim.
Algumas semanas depois do primeiro sinal pude me apoderar da vassoura com bastante serenidade para acalmar minha mãe, que não havia percorrido esse caminho.
E quanto ao conceito de filosofia, ao qual me referi no início, nas palavras do autor fica assim: A filosofia exige um processo no qual um toma distancia com o problema para poder compreendê-lo totalmente e ver sua implicação em nossa vida concebida como um todo. Trata-se de buscar a solução em longo prazo, trata-se de trocar a corda, se necessário.
am.
PS: Click no título e verá uma definição um pouco mais história sobre o que é filosofia.
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