A história sem título

O texto abaixo foi escrito sob encomenda. Então, como a idéia e nem o próposito não eram meus, não sei exatamente o que quis dizer com ele. Deixei o título à escolha da pessoa que me pediu o texto e, sinceramente, não gostei do título que ela escolheu, logo resolvi deixar sem título. De qualquer forma, está aí:


O prefeito de Macombo não se preocupou de inicio com o pequeno lago que se formou no centro do vilarejo, com a chuva rala que durou cerca de dois dias e três noites. Ignorou, também, os alertas de seus auxiliares, preocupados com tamanho acumulo de água em tão pouco tempo, considerando que estavam fazendo uma tempestade num copo d’agua. E, ainda se vangloriou diante dos seus, quando finalmente a chuva parou e sol re-apareceu nos céus.
O padre da pequena vila, também não levou a sério a conversa de duas beatas, que dizia que a virgem Maria lhes havia aparecido em sonho e pedido orações e jejuns para que um dilúvio, aos moldes daquele ocorrido nos tempos de Noé, não colasse fim no vilarejo de Macombo que há séculos sobrevivia, no total isolamento no meio da floresta amazônica boliviana. Anos antes, de tal chuva, trazer tanta preocupação aos nativos de Macombo, uma seca de quase quinze anos castigou o vilarejo. Muitos foram aqueles que resolveram abandonar sua terra natal, por acharem que aquele lugar estava condenado por Deus, já que a terra, devido a falta de chuva, parecia de tal modo infértil, a ponto de muitos dizerem que nem mesmo se chovesse sem parar por outros quinze anos, se conseguiria colher alguma coisa novamente em Macombo. Aurélio foi um dos que tentaram a todo custo convencer a família a deixar o vilarejo amaldiçoado por Deus e ir procurar um lugar onde a vida poderia ser mais fácil. José Aldo, pai de Aurélio e chefe da família Sanchez, porém se manteve irredutível. Afinal de contas, aprendera com o pai, o velho Aurélio Sanchez, que onde se nasce é onde se deve morrer. Pois, quem foge da terra natal, em outro canto não pára. José Aldo, no fundo, estava convencido que a verdadeira intenção de seu filho, Aurélio, era ir atrás de Maria do Rosário, sua paixão de infância, que foi obrigada a partir com a família por causa da seca. E, assim, foi o destino de quase todos daquela família: nascer, sobreviver e morrer, no mesmo lugar. A mãe Evita e o irmão mais jovem de Aurélio, Bolívar Sanchez, nunca puderam ter voz nas decisões da família. Em verdade, mesmo Aurélio, não tinha; embora nunca se tenha conformado com isso. Certo dia, durante um desentendimento com o pai, que insistia em querer plantar naquela terra, que mais se assemelhava à areia, Aurélio tomado de emoção e com um punhado de terra-areia na mão, gritou ao pai que estava partindo, para procurar Maria do Rosário e que só voltaria a Macombo se a terra se tornasse fértil outra vez. José Aldo, alterado por tamanha ousadia de seu filho primogênito, sem saber, jogou uma praga sobre todo o vilarejo: - Que Deus leve essa vila com toda a água do mundo, para não deixar que esse meu filho ingrato, pise nessas terras mais uma vez. Aurélio partiu na noite daquele mesmo dia, sob o choro da mãe e protesto do padre que fora chamado para intermediar a briga. Bolívar, para maior indignação do irmão, continuava sentado no canto da sala, descamisado, olhando para um e para outro sem coragem para dizer nada. O tempo passou em Macombo, uns morreram, outros se foram, poucos nasciam e ninguém novo chegava para ficar. O vilarejo, que já era pequeno, ficava ainda menor com o passar dos anos. Por várias vezes aconteceu de a chuva chegar até os arredores da vila, mas nunca até lá. Depois de tanto tempo na seca, até o padre, que já estava no limiar de sua vida, começou a querer acreditar que aquele lugar era amaldiçoado por Deus. Resolveu pesquisar em seu catecismo e nos livros, que guardava dos tempos do seminário, para ver se estava rezando a missa da forma correta; dispensou o capelão por uns meses e foi tocar o sino pessoalmente, para assegurar-se de que as badaladas fossem executadas corretamente; voltou a estudar latim e chegou, mesmo, a viajar a sede do bispado para assistir a uma missa do bispo e comparar a pronuncia de sua eminência à sua própria. Mas chegou a conclusão de que, se Macombo era amaldiçoada, não era por sua culpa, pois, mesmo depois de quarenta anos de sacerdócio, não tinha esquecido como se reza uma missa; o sino estava sendo tocado de forma impecável; e sua pronuncia do latim, era, até mesmo, melhor do que a do bispo, que Deus o perdoe. Um dia a chuva voltou. De mansinha e bem rala. Quase ao mesmo tempo a família Sanchez recebia uma carta de Aurélio, na qual dizia que havia se casado com Maria do Rosário e que estavam a caminho do vilarejo. José Aldo, já idoso, bem que tentou, mas não conseguiu disfarçar as lágrimas, que Evita e Bolívar, fizeram questão de não perceber. Foram dois dias de chuva e três noites, um dia de sol, e mais cinco dias seguidos de muita chuva e quando Aurélio conseguiu chegar ao vilarejo, encontrou apenas um rio de lama, onde há alguns dias existia Macombo.

am.

PS: confesso que tentei imitar o estilo de Gabriel Garcia Marques, mas reconheço que não passou de tentativa.